Eu estava em
ponto morto, em banho maria, à toa na vida vendo a banda passar, já tinha me
despedido da dor.
E quem foi
que disse que eu queria suspirar novamente? E quem foi que disse que você
poderia ocupar meu pensamento diariamente? Que hora mais inapropriada para
aparecer!
“... e porque existe essa coisa
dentro da gente, muito grande e muito consciente, mas que a gente não controla,
que nunca esquece a delícia que é começar. Então eu projetei nele todos os meus
novos começos: ele era um cara descobrindo um monte de coisas que eu achava que
já sabia e que me lembrava outras que eu já tinha esquecido. Eu me via nele, eu
via ele em mim. O nome disso é identificação. Porque na verdade a gente quer
preencher nossos vazios não com o que nos falta ou completa por ser diferente,
mas com o que é confortavelmente familiar”
Se eu
pudesse prever, não teria deixado você me conduzir naquele samba meio samba-rock,
onde você é tão melhor do que eu. Eu fiquei em desvantagem, desprotegida com os
meus passos incertos e deixei você me levar. Dançar foi meu delito.
Se eu
pudesse prever, não teria te contado por onde andaria, não teria saído na
calçada da Roosvelt, você então passaria reto, não haveria surpresa, nem samba.
Não haveria beijo.
“... se eu te encontrasse
completamente por acaso hoje, onde seria?”
E não
haveria, dias depois, risadas e olhares. Está aí, definitivamente, meu ponto
fraco: as risadas e os olhares.
E agora
estou aqui, com o coração apertado e essa angústia. Chamo de angústia por não
saber do que chamar essa coisa que ora me tira um sorriso bobo, ora me esmaga o
estômago.
Nossas
bagagens de vida, isso de não mais se surpreender tanto, nem de chorar tanto,
nem de sonhar tanto, nem de planejar tanto, nem de sofrer tanto, depois de
tantos acontecimentos anteriores. É a dor e a delícia da maturidade, das coisas
tão parecidas já vividas, já vistas, já sentidas. A verdade é que a gente
caleja para as coisas ruins e para as boas também.
“... hoje eu me pergunto qual o prazo
de validade das lembranças. Em que momento elas deixam de ser palpáveis, boas,
verdadeiras?”
Eu sei, tão
pouco tempo pra eu já estar aqui, com os meus devaneios, colocando um pouco
dessa tão curta história no papel que chega a parecer clichê.
“...
e quando tudo isso que a gente vê sobre a paixão nos filmes é
simplesmente...verdade?
Só
os clichês são verdade, no final das contas.”
Quantas
vezes eu te escrevi , confessando, “saudade”? Quantas vezes você retribuiu?
“... eu ouço tanta música e penso se
você ouve música e se é no computador ou no rádio ou em CDs, quais são eles, se
você canta junto, se estaríamos escutando os mesmos cantores no mesmo momento
porque o nome disso é “sincronicidade”, se as músicas traduzem seus sentimentos
tanto quanto os meus, quais, então, te explicariam a mim, o que eu preciso
ouvir, o que eu preciso saber, o que você esconde e o que tem medo de
revelar...”
Talvez você
não tenha nada para revelar, você me parece não esconder nada. Talvez seja essa
a causa da angústia, você não ter sentimento algum para esconder de mim.
Você me faz
bem. Você me faz rir. Você me fez retomar a espiritualidade, a leveza e a
leitura.
Só que agora
está começando a me assustar (olha eu aqui me abrindo de novo, depois das
chuvas que apanhei, peguei agora essa mania de transparência, até
demais...perdi a mão).
E quem foi
que disse que eu queria suspirar novamente? E quem foi que disse que você
poderia ocupar meu pensamento diariamente? Que hora mais inapropriada para aparecer!
Sabe aquela
história de deixar de rir por medo de chorar? Estou pensando, seriamente, em
seguir essa linha...
“é uma escolha, percebe? No final das
contas, metade dos encontros que você faz é regida pelo acaso, mas metade é
obra do seu próprio esforço e vontade. E como 50% de chance não são nem uma
coisa nem outra, a verdade é que a gente sempre sabe. E sempre controla. Mas
sempre sofre como se não soubesse. Porque, na hora de sofrer, a gente esquece
tudo mesmo.”
Célia Aguiar
(Trechos extraídos do texto da peça “Música para
cortar os pulsos”)